Fernanda Monteiro

exposições:

S3. Calendário ARCO 2022. Cordis. Fernanda Monteiro

CORDIS. Fernanda Monteiro

 

Processos e procedimentos:

 

Dentre várias inquietações que impulsionam meu fazer artístico está  a recorrência de questões relativas à memória. Não qualquer memória, mas uma insistente memória afetiva que marca minha produção. Usa o termo “mácula”  para descrever esses atravessamentos por acreditar no difícil distanciamento entre experiências pessoais e minha produção artística. Considerando a arte como uma forma de tangenciar o mundo, como uma experiência sensorial. Seja tato, visão, audição, olfato ou paladar, os sentidos são personalíssimos, de modo que a produção quase sempre parece um pouco viciada, eivada de um certo narcisismo. 

Entre outras coisas, o medo do esquecimento pode ser uma justificativa para os meus apegos. Ao lado dos esquecimentos naturais e necessários, decorrentes do caráter seletivo da memória, destaco "o saber, mas não querer saber", "o fazer de conta que não se sabe", o denegar, o recalcar. Memórias travestidas de esquecimento. São traumas ou cicatrizes da alma. Assim, tomando a cicatriz como metáfora da memória, passo a articular possibilidades em torno de uma memória afetiva como uma espécie de sobrevida. Construo então um "Discurso sobre a Memória" (nome de minha individual, ocorrida no Sesc entre 2016 e 2017), em que traduzo lembranças em imagens, procurando dar a elas uma dimensão para além do relato.

Igualmente presentes como núcleos de interesse em minha atuação estão a efemeridade e a fragilidade. Ideias que somadas à memória afetiva abriram caminho para uma ressignificação da linha, elemento formal recorrente em minha produção associado à vida, malha sanguínea, costura, sutura, ancestralidade.

Meu fazer transita por diversas técnicas (desenho, pintura, objeto, instalação, fotografia) conforme a minha necessidade. Justifico a escolha em particular da fotografia como forma de materialização de alguns trabalhos por decorrer diretamente do conceito de efemeridade, uma vez que percebi por vezes desnecessária a existência física do objeto. Às frágeis composições criadas e mantidas através da fotografia chamo de "esculturas efêmeras".

O gosto pelos vocabulários, elementos textuais, origem das palavras, significados ocultos abriram possibilidades para traduções e transcriações. Interesso-me pelos deslizes da linguagem, pelo jogo entre a linguagem formal e a visual. No entanto, também posso agir de maneira mais intempestiva e menos meditativa, de modo que essa construção textual nem sempre antecede o fazer. 

A série Cordis é minha produção mais recente e, pode-se dizer, ainda em processo. O termo cordis, do latim, coração, despertou-me o interesse quando estive de passagem por Cordisburgo (MG), cidade natal do escritor Guimarães Rosa, onde fica também a Gruta de Maquiné, que visitei pela primeira vez. Estudando o termo, encontrei alguns desdobramentos decorrentes do acréscimo de prefixos: concordis (concordar = corações unidos); seu antônimo discordis (discordar = corações afastados) e recordis (recordar = trazer de novo ao coração). Além da expressão saber de cor = saber de coração. 

Assim, recordis ou recordar fez emergir novamente a questão afetiva da memória. Além disso, o fato de cordis ser a raiz dos vocabulários explicitados também chamou minha atenção, uma vez que raiz é algo pictoricamente presente em meu trabalho, como um dos desdobramentos da linha. Dos primeiros croquis à pesquisa imagética sobre o coração, iniciou-se a experimentação que deu origem aos 21 trabalhos expostos nesta individual.

Artistas convidados:

Para a exposição Cordis convidei os artistas Adriana Dias, Ana Érica Morbiolo, Fábio Florentino, GIL, Juliana Torres, Luzia Florentino, Mariana Sanches, Regiane Pincceratto e Silvana Sarti, para apresentarem trabalhos em diferentes suportes, correlatos aos assuntos da poética discutida. Alguns trabalhos, inclusive, já estiveram expostos na Galeria em outras oportunidades e retornam agora ressignificados para esta mostra.

Tendo em vista possíveis diálogos entre as pesquisas individuais de cada artista e a série Cordis, sugeri sua exposição conjunta, a fim de criar uma atmosfera de atravessamentos que podem ser observados e intuídos pelos visitantes, resultando em narrativas compartilhadas por todos os participantes desse processo.

* Durante o período expositivo, em agenda a ser divulgada em breve pela Galeria, serão propostos encontros entre os artistas e o público interessado em conhecer um pouco mais dos processos, procedimentos e pesquisas poéticas deste pequeno corpo coletivo reunido para a mostra Cordis.